quarta-feira, 1 de agosto de 2012

Uma questão de opinião... um post diferente

Quando decidimos engravidar, entramos numa fase nova da vida. Foi no momento que dissemos "vamos a isso" que tudo mudou. Porque assumimos a responsabilidade de criar vida. Uma vida que depende de nós, que começa em nós.
Fizemos planos muito antes dos dois tracinhos no teste. Mudámos rotinas. Sonhamos. E então veio o positivo. E o coração aos saltos naquele dia de Verão em que começavamos as férias, quando era ainda um segredo só nosso, tão pequenino no meu ventre e já tão soberbo no nosso coração. Começaram as idas ao médico, exames e análises. Tenho tão presente no meu coração o dia em que o vimos pela primeira vez. O meu salpico de gente, ainda apenas uma hipótese e já com o coração a bombear nos seus poucos milímetros de gente. E o queixo tremeu de emoção. E ele passou a ser real, tão real que doía.
Depois veio a fase de contar ao mundo. Festejos e parabéns no meio de enjoos e um sono absolutamente incontrolável. As roupinhas. A caminha. A casa que foi pensada na infância que queríamos que ele tivesse.
A barriga a crescer, os primeiros pontapés, os beijinhos, os projectos, a esperança. E então o mundo abriu-se debaixo de nós, num segundo apenas, naquela ecografia mais demorada com cores e relatórios que não conseguíamos decifrar. A possibilidade de algo estar mal nunca nos ocorreu. Lembro-me dessa noite como se fosse hoje, a noite após a notícia ainda vaga mas já tão sinistra. Chorei todas as lágrimas de uma vida, tive medo, tanto medo afogada nos braços do meu marido. Graças a uma pessoa especial, conseguimos a consulta de especialidade cardíaca para o dia seguinte as 6 da manhã (em vez das três semanas que teria de esperar naquela angústia). E lá fomos ressacados e doridos de uma noite de lágrimas para o consultório do médico que mudou a minha vida. Calmo e paciente, ele observou o meu pequenino e confirmou um diagnostico cardíaco. Coartação na aorta e ventrículo esquerdo muito pequeno. Melhor que o primeiro diagnóstico mas ainda assim. Aconselhou-nos a fazer a amniocentese. "Para quê?" perguntamos. E ele, calmo, explicou-nos que este género de problemas cardíacos estava relacionado com algumas trissomias, algumas das quais fatais. Perguntamos novamente: "Mas para quê? Porque preciso de fazer, vai ajudar alguma coisa com o bebé?" e ele respondeu que seria apenas um despiste, disse-nos sem dizer que, caso se confirmasse esse diagnóstico, tinhamos ainda tempo para "decidir". Decidir. Decidir o quê?...
O aborto é uma questão de opção nos dias de hoje, mas para mim nunca foi. E confirmámos, eu e o meu marido, que de facto para nós essa não seria uma opção, fosse qual fosse o diagnóstico.
Na altura continuamos a rotina de uma gravidez com o acréscimo de um problema cardíaco. Mais à frente possibilidade de eu ter contraído o "citomegalovírus". E novamente por cada médico que passava a questão a amniocentese era colocada quase como se fossemos atrasados mentais. E na ecografia seguinte mais um índice estranho, desta vez o tamanho do fémur muito abaixo do percentil normal. Na altura em que vivemos a possibilidade de um drama verdadeiro, aquilo que muitos chamam de coragem ou mesmo "irresponsabilidade" como cheguei a ouvir, é apenas uma sensação de dormência da alma, o tempo passa como óleo que escorre, lento e mole, ouvimos e vemos tudo mas parece que está tudo tão longe....
A única coisa que era real eram os pontapés do meu salpico, Salvador como decidimos depois de saber o sexo do bebé, ainda antes de sabermos que contaríamos com a sua capacidade de sobrevivência para se salvar. E era a isso que nos agarrávamos, sorrindo a cada movimento, esperando, esperando.
Depois de muitas trocas, consultas, médicos e alterações de ultima hora, passei a ser acompanhada no hospital amadora sintra (às 36 semanas) para que à nascença ele fosse transferido para o Hospital Cruz Vermelha, onde estaria uma equipa inteira à espera do Salvador para a sua primeira operação.
Optou-se pela cesariana para não submeter o meu pequenino a nenhum esforço e no dia 01 de Março, as 7 da manhã, partimos para o dia que mudou a nossa vida.
Quando ele nasceu, apesar dos sei lá quantos reforços de calmantes e morfina que levei, mais para sossegar os nervos (que explodiram nesse dia, naquela sala assustadora, rodeada por pediatras, cardiologistas, estagiários, enfermeiros, obstetra e simples curiosos com aquele caso), acordaram-me, e eu viu-o. E ele era... Perfeito. Tão perfeito que, também à conta a "overdose" de morfina caí num riso incontrolável, misturado com lágrimas, soluços, e todo o tipo de movimentos que dificultava a vida à enfermeira que me tentava coser. Tive-o apenas 3 segundos nos braços, e ganhei naquele dia mais capacidade de amar do que alguma vez julguei que fosse possível. Lembro-me também de estar no recobro, e de vir a médica obstetra de propósito ver-me, só parta me dizer como o meu filho era bonito.
No dia seguinte o Salvador foi transferido como previsto, para o HCV. Foram os 4 dias mais longos da minha vida, em que ia vendo o meu filho em filmes, sem o poder sentir, cheirar, agarrar como via todas as mães em recuperação à minha volta fazerem. Mas apesar do difícil que a distância se mostrou, a verdade é que todos os dias o diagnóstico cardíaco do salvador se mostrava uma surpresa. E no dia antes de eu ter alta, soubemos que ele não teria de ser operado.
O médico que nos acompanhou ria-se e encolhia o ombros sempre que passava pelo meu marido. E o meu Salvador revelou-se um milagre. Foi acompanhado até aos 6 meses por manter ainda a coartação na aorta e aos 6 meses teve alta. E hoje, muitos continuam a chamar-nos corajosos, tão corajosos que roça a maluqueira. E se calhar até foi. Ou talvez não...

5 comentários:

  1. Não fazia a minima ideia desse teu drama. Que lição de vida que aqui descreveste e ainda bem que seguiste a tua intuição. Penso que agiria da mesma forma do que tu, porque para mim o Francisco sempre foi meu filho 9 meses antes de nascer. Também na minha ecografia viram que aparentemente o femur estava maior do que previsto e que podia ser problemas cardiacos ou down... Tremi... Meteram-me a mim e ao meu marido numa sala e disseram-me isso a frio, tão frio como as gentes por aqui. Depois de mais uma ecografia e exames afinal não nada, mas passamos uns dias de merda! Felizmente foram 7 dias. Depois pronto passei a minha gravidez santa com este "susto " pelo meio. Dou graças a Deus todos os dias pelo filho saudável e lindo que tenho.

    Um beijinho para ti e para a proxima quando for ai gostava muito de conhecer o Salvador e de lhe apresentar o Franciso. Pode ser?xx M. Joao

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  2. Conto com a tua visita, mas aviso-te já que o que este miudo tem de força tem tambem de malandro!! e bruto! :)

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  3. Então estão bem um para o outro. Eu chamo- lhe " pequeno rambo".

    Mj

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  4. Porque adoptam logo uma opçao que as pessoas querem abortar??
    Parabens pela vossa coragem e determinação
    Parabens pelo vosso filho LINDO""

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  5. prima linda!! Quase que chorei!! Sabia dos sustos não sabia que vos tinham apresentado essa hipótese... de abortar... imagina, tadinho do salpico! Para mim nunca seria também uma hipotese! "Agora vamos fazer a análise para ter a certeza que está tudo bem, etc..." "Não faço!" foi sempre a minha resposta!! Venha o que vier é o meu filhos! Quis Deus que viessem todos lindos de morrer e cheios de saúde! Mas mesmo que assim não fosse, vinham à mesma e eram amados com a mesma intensidade!
    Bjs querida, gosto muito de ti!

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