terça-feira, 23 de agosto de 2011

Velho da Avenida

Todos os dias subo de manhã a Avenida da Liberdade em direcção ao trabalho. Subo devagar, sem pressa, depois do merecido shot de cafeína engolido no Rossio. E todos os dias o vejo, ali, encaixado na escadita logo após o São Jorge. De manhã está normalmente no despertar, lava as mãos e a cara com uma garrafa de água, e varre as folhas secas da entrada do seu lar com um jornal. Tem ao seu lado um saco, sempre arrumado, com as mantas da noite cuidadosamente dobradas. Costuma ter do seu lado um jornal, que, após a lida matinal, lê, sentado no seu terraço. Tem uns olhos grandes e profundo este velho, e dia após dia lhe venho notando estas rotinas. E todos os dias penso, que, fosse eu personagem de um livro, um dia a sua rotina seria diferente, quebrada pela minha voz: Venha meu velho, deixe-me oferecer-klhe um café quente. E sentavamo-nos ali na esplanada mais próxima, bebericando café com leite e pão com manteiga fresca. E o velho, com ternura agradecer-me-ia confiando na minha pessoa palavras há muito entaladas no seu coração...


Sabe menina há muito tempo que não tomava uma refeição quente, e na companhia de uma jovem! Como vê estou velho e cansado, a vida já me pregou muitas rasteiras...


E eu sorriria, naturalmente, sem medo, disponível e curiosa. E ele continuaria...


Acho que a última vez que o fiz, foi com a minha filha, lá em Grândola no nosso jardim. Mas a vida levou-ma. E eu acho que sem ela gosto mais deste meu lar, inundado de luz de dia e de silêncio de noite. Estou sempre acompanhado mas não tenho de falar a ninguém.


E só então eu perceberia a simpatia automática que senti por este velho de olhos profundos. E sorriria bebericando o meu café com leite, contente por poder ter oferecido um bom momento ao velho da avenida.


Mas ao invés, passo por ele, olho-o na privacidade dos meus óculos escuros e penso no egoísmo da minha pressa: não, hoje não é o dia.


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