(um dois três, inspirem fundo que esta merda
não vai ter pontos finais)
Há um ano foi assim, e, para não quebrar a tradição, este
ano começamos com um febrão descomunal, toca de adiar a festa para o fim de
semana seguinte, quinta fico em casa com o meu adolescente mais velho, muito
colo, ida ao médico e mimo, o pequenino de olho negro, cabrãozinho amoroso,
está numa fase de estalo, mas não se dão estalos a bebés, isto porque grunhe o
dia inteiro parece um gremlin árabe, e de noite resolveu que é fixe chorar de
hora a hora, chega sexta, venho trabalhar com vagas horas de sono, toda fodida
da cabeça, de manhã para marcar as minhas férias tenho de enviar o mesmo mail 5
vezes, pareço anormal ora sem anexo, ora com anexo errado, ora com datas
erradas, passa-se o dia, chego de gatas a casa, salpico febril e carente, Manuel
rabugento e babado, só quero que o meu adónis chegue, estou quase a trancar-me
na casa de banho de fones nos ouvidos a cantar bem alto
ESTAVIDANÃOÉMINHAESTAVIDANÃEÉNHA, liga adónis, tou sem carro, não pega, chega tarde
e exausto, passa-se a noite, devagar devagarinho, interrompida de hora a hora a
hora, sábado de manha sai adónis para tratar do carro, fico sozinha com as
pestes, salpico febril e carente, Manuel começa a ficar quentinho, oh diabo OH
DIABO PARA NÃO DIZER OH CARALHO, o dia avança e chega finalmente a noite, ponho
benuron no Manuel, deito-o, e janto, eis se não quando Manuel desata-me num
berreiro, mas berreiro de o ter de virar de cabeça para baixo para voltar a
respirar, nada o acalma, choro gritado olhar fixo na parede, cagaço da vida, o
que tens puto, ligo para a saúde 24, mandam-me recambiada para as urgências, Manuel
adormece ao colo do pai, achas que ainda valer a pena ir? Acho, acho mesmo, e
vamos, pomos o puto no ovo e ele abre um olho escuro e esperto, o meu coração
para, ai que me vai aos berros até ao hospital, mas não, ri-se o cabrão, chegamos
às urgências e sou recebida com um abraço pela mesma medica que o havia
internado com tosse convulsa há uns meses atrás, então o que a traz por aqui, e
eu embaraçada, olhe que pareço doida mas juro que ainda há pouco achava que o
puto tinha sido possuído por um demónio maléfico, dispa-o lá então, e eu dispo
aquele gorducho, de bochecha rosada, boca escancarada a exibir os dentinhos
novos e um sorriso angélico, ai que vergonha, cabrão do puto, medica observa,
vê tudo, e ele dá às pernas e aos braços, ri-se, mamamamama, só gracinhas o
estupor, bom, não vejo nada, se calhar foi uma cólica, e eu, pois, se calhar, voltamos
para casa, três da manhã, durmo três horas interrompidas, 6.30 canto os parabéns
ao meu salpico, meu amor grande, meu miúdo de 4 anos, e ele de riso
envergonhado, diz-me que não senhora, sem insuflável e coijas boas não faço
anos. Tudo bem meu amor. Celebramos, se deus quiser, no fim de semana que vem.
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