segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Chorar

Não sei se isto acontece a muita gente. Mas com a idade, bom, na verdade não sei se foi com a idade, mas sinto que com o tempo tenho aprendido a bloquear o choro (ou desaprendido a lavar a alma).
Parece que o meu cérebro deixou de identificar sinais de tristeza e reinterpreta-os automaticamente de outra forma: estás cansada, estás naquela fase do mês, estás stressada. Passam-se meses e eu não choro. 
Ás vezes, do nada, lá vem a vontade com coisas tão estúpidas como o noddy furou um pneu e o carro irritante faz um olhar triste com os faróis. O queixo treme, a garganta fecha, a visão fica enublada e eu levanto-me às caralhadas, vou-me assoar e começo a despejar a máquina da loiça.
Cultura de merda, temos de ser constantemente felizes. Os anúncios dizem-nos isso, o Facebook diz-nos isso, as notícias e desgraças dos outros obrigam-nos a isso. 
Este fim de semana entregamos-nos à limpeza semanal e profunda da casa. Com dois seres pequenos, o dia inteiro fora de casa e sem empregada, sábado obriga-nos a botar do joelho no chão e esfregar desenfreadamente banana do chão, dedadas na televisão e cotão nos brinquedos. 
Acabada a faxina do casal, adónis sai com criançada para um café e eu aproveito para um banho demorado. Ponho o banho a correr, que sensação boa, casa a cheirar a pronto e sonasol, cansaço das costas e sensação de dever cumprido. E de repente o espelho, e eu comigo, olhos nos olhos. Já fizeram isso? Não é ver se estamos penteados ou com olheiras. É olhos nos olhos com o eu do espelho. Estranhíssimo, em segundos um kilo de soluços e três oceanos de lágrimas. Nem sei porquê... Mas estou sozinha, ninguém vai entrar, e os olhos do outro lado do espelho só desviam se eu desvear, e então choro e choro, porque estou feliz com a casa limpa, porque adoro os meus filhos, porque estou exausta, porque o cabrão do noddy furou um pneu. Eu e eu. Eu comigo mesma. 
Tomei banho e saí lavada. 

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