terça-feira, 3 de novembro de 2015

Venho no comboio. Odeio esta merda deste horário de inverno, adorava saber quem foi a besta que se lembrou disto. Mas dizia eu. São 5:30 e eu venho no comboio enquanto lá fora as luzes já se acendem. Venho a fazer listas mentais. Passo a vida nisto, uma canseira: chegar à estação, voar para o carro, buscar o mais velho, comprar básicos, chegar a casa já tão tarde onde me espera um ser pequenino rabugento e sarampitado de varicela. Depois quando chego a casa volto desenfreada às minhas listas mentais: dar pão ao pequeno para se calar 7 minutos, enquanto dispo o mais velho a fingir que brinco as casinhas e depois o atiro para um enorme caldeirão que é só a banheira. Graças a deus tenho lá a minha mãe que me adianta o jantar e cala o pequeno com mel em vez de pão. Quando passa esta correria sento-me com eles no chão do quarto. O mais velho exige atenção, interação, resposta constante. O mais pequeno, nos dias em que dorme bem consegue fica largos minutos sentado, com uma caixa no colo onde põe e tira um qualquer brinquedo. E sempre que o tira faz oooohhhh com aquela boquinha carnuda e babada que só apetece dar beijos. E eu gosto de fica ali deitada só a vê-lo. Abre a caixa. Põe o brinquedo. Fecha a caixa. Abre a caixa. Tira o brinquedo. Ooohhhhh de espanto.
Atrás de mim ouço: mãe vamos fajer uma cajinha pode xer?

quinta-feira, 22 de outubro de 2015

desconexo da indiferença

Há dias assim. Dias em que se cola uma tristeza peganhenta, uma urgência não urgente só de estar. Sem neurónios, sem emoção, sem nada, nadica de nada.
Acordei de manhã depois de uma noite (novamente) mal dormida. Arrastei-me pesada à cozinha, balde de café, torrada, e sento-me lá fora. Está tudo escuro, não sei porquê as luzes da rua não acenderam esta noite. Dói-me a cabeça e tenho ainda aquele frio que só passa com o sono. Lá dentro ainda dormem todos. Vem lá mais um dia. Duche a correr, secador base a tapar o ar verde e exausto. Comboio, caminhada, banco.
Tenho tudo. Tudo mesmo. Saúde, emprego, filhos, um marido que amo genuinamente. Tenho uma casa que adoro, internet no telemóvel.

Mas depois há dias assim… em que se cola uma tristeza peganhenta, urgente e sem urgência…. Uma merda isto de não ter desculpas para chorar. Penso então na instabilidade politica. Começo a traçar um rumo aos meus pensamentos, um e um são dois, e vão três, bah, desisto. Quero que se foda a politica. É isso! Não estou triste afinal. Quero só que tudo se foda: os papeis que tenho de assumir, a esquerda ou a direita, os inimig(a)s, as intrigas, os rumores, o sono que sinto desde que fui mãe. Quero que tudo se foda, deixem-me estar sossegada no meu canto que hoje não estou para conversas (pensamentos palavras atos e omissões).

quinta-feira, 15 de outubro de 2015

Olá a todos

Tenho 31 anos. Sou casada vão fazer 8, e tenho dois filhos: um terrorista pequenino de pouco mais de 1 ano, e um filósofo também ele terrorista de 4. 
O meu nome é Ana RIta, by the way, e sou portuguesa nascida em Lisboa e atualmente moradora para lá de Sintra. Trabalho num banco já vão fazer 10 anos.
Sou católica... Bom, sou crente em algo que se aproxima ao catolicismo sendo que a prática é unicamente "espiritual" (e egoísta).
A minha vida é hoje orientada para o imediato: cheira mal - muda fralda com direito a pontapés furiosos. São horas de saída - apressa o passo para o comboio que a creche fecha as 7. Tenho a vida regrada por pavlov: reage, saliva que cheira a carne. Instinto de sobrevivência quase irracional que a classe média nos impõe: um ritmo alucinante e plasma na sala. 
Depois tenho outras coisas. Uma cabaninha de canas para os meus filhos brincarem, por exemplo. Ou muita vontade de escrever coisas.



terça-feira, 13 de outubro de 2015

O meu filho mais velho, agora, questiona-se/me sobre a morte.
Isto é assustador, como explicar o ponto final a uma criança de 4 anos?
Oh mãe, onde está o Michael (Jackson, sim, o próprio, nunca falei aqui, mas os meus dois filhos descobriram este homem na tv e agora revivo anos 90 over and over again). Oh filho, bom, o Michael, bom o Michael morreu. Faz-se silêncio. Está morrido, pergunta-me indignado. Como axim, está ali, na tavijão.
E eu fico nervosa, falo-lhe do céu, do sono, olhó bujix lá fora.
E de repente tenho o miúdo a questionar-se. E pior. A questionar-me. 
Onde está o tio manel? 
Não é tio, é avô. Está no céu. 
Está morrido mãe?... 
Hum. Sim morreu e agora está no céu. 
E onde ficou morrido o tio manel? 
Avô, salpico, é avô manel. 
Xim, onde? 
No hospital (toda eu sou reticências, não quero continuar esta conversa).
Mãe quando eu for velhinho tu vais estar morrida?

Para tudo. Escuta filho, não quero pôr o tempo a passar nessa forma pragmática que vocês, crianças, têm de arrumar as coisas. Come lá o bolicau, procura a fadinha debaixo das pedras e pede chupachupas ao pai natal, pode ser?

E ele arruma o assunto de outra forma.
Bom mãe, quando eu for velhinho tu, o pai e o manéli xão meus filhos. Pode xer? (ele tem esta questão amorosa sempre a rematar tudo o que diz, vou fazer xixi, pode xer? Vou jogar computador, pode xer?).
E eu digo que sim, pode ser.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

Sono. E caos.

Às vezes é um abismo estranho esta minha cabeça. Micro segundos que passam e a sensação de efemeridade dá cabo de mim. No fundo eu sou uma preguiçosa. Todos me gozam porque digo que mal posso esperar por chegar a velha. Ui c’a maravilha, vida: check. Cansa-me esta correria. E às vezes nem sei porque corro, mas corro e corro e corro. Credo, que canseira. A minha vida espremida ao detalhe é um caos assustador e maravilhoso. Tenho brinquedos no fundo dos lençóis, banana e bolacha maria coladas no chão, cheirinho a bebé nas toalhas de banho. Tenho uma gripe e não tenho tempo de a curar. E um trabalho que, bom é melhor não falar nisso. Acho que pari os meus neurónios com o meus filhos e agora toda eu sou amor e medo e cansaço. Uma cena completamente irracional e ilógica.
Morro de saudades do meu avô. Oh Santito já manda no banco? Oh avô... Então não mando? Rezo por si todos os dias. E eu por si avô...
E volta aquela sensação esquisita de pressa e medo que o tempo passe. Olho para o Manuel e quero que ele cresça e durma e coma sozinho. Olho para o salpico e tenho saudades dos caracóis de bebé.
Tenho tantas saudades do meu avô. Ria-se muito baixinho e chorava sempre, e limpava as lágrima de riso com as costas das mãos. Acreditava tanto em mim, que quando penso nisso fico com vontade de largar tudo, e escrever romances no meu jardim a fumar charros e beber vinho branco. Estou a brincar. Mais ou menos.

Caos. Mãe, está a ler-me? Precisava taaanto que dormisse hoje com o Abdul. Tenho quilos de sonhos para pôr em dia.

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Depois queixem-se

Ontem foi dia de votos. Ai esperem, vamos um bocadinho atrás.
A semana passada a família gomes foi regada por vírus vomitados e espirrados. Noites com dezenas de mudas de lençóis. Eu com dores na cara e no corpo, ranho até aos miolos. Mãe, eterna ajudante nesta vida louca de quem trabalha, tem filhos e uma casa vai que desata também a vomitar. 
A semana passada foi para esquecer de cansaço, espirros, tosse e vômitos.
Eu sou uma pessoa com uma tolerância ao cansaço abaixo de zero, e heis me aqui, nesta vida corrida, zangada às vezes, mas heis me aqui.
Domingo foi dia de votos, e nós que somos malta de ter a papelada em dia tínhamos de ir cada um à sua freguesia de solteiro: um a cascais e outro à graça. E veio um temporal que quase nos arrancou as telhas de casa. E eu, com ranho e enjoada a limpar nova dose de vomitado arabesco do meu abdulzinho pequenino que nem assim perde o seu porte de criança soberba. E fomos. Casal adónis, amarelo e exaurido, com duas crianças adoráveis e refilonas. De manhã a cascais. De tarde à graça. Oh minha graça, que saudades de você.... E marcamos o bendito x.
Portugueses de meu Portugal... Porque não votaram ontem?... Hum?...
Tanta coisa com a liberdade de expressão, ai que sou charlie, ai que mulher valente que sou, arranco soutiens e quero ser diretora... Ai tanto que opinamos no facebook, governo de merda, troika bandida, oposição corrupta, e depois, vai na hora de realmente ter voz e pimbas, toma lá 43% de abstenção...

Depois queixem-se. 

quinta-feira, 3 de setembro de 2015

Estou aqui no comboio, praticamente de madrugada. Que merda isto de ser suburbana. Aqui vou eu, para mais um dia de trabalho num emprego cada vez mais incerto. Que merda isto da crise. E vou cansada porque, que merda, ainda acordo tantas vezes à noite com o meu filho mais novo. Entretanto, oh que merda, já não tenho fraldas, nem leite, nem detergente da loiça. Merda isto de ter ainda de ir fazer compras. Num final de dia assustadoramente galopante, porque, que merda, chego tardíssimo a casa e os meu filhos têm de ficar tanto tempo na escola. Que merda.
Aqui vou eu. Na merda do comboio. Com preocupações de merda na cabeça. Imagino que seja precisamente esta merda que se passe na merda da cabeça de quem governa este continente de merda. É muito mais fácil ocupar a mente com prioridades de merda. Enquanto aqui, ao meu lado, ao nosso lado, aqui mesmo à mão de semear, este menino que podia ser nosso, que podia ser o meu caracóis de sol, o meu pobre menino que tanto sofre um dia inteiro numa escola à beira mar, morre a tentar uma vida melhor.