quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Joaquina

A Joaquina era uma menina, muito pequenina, que viva lá na aldeia. A Joaquina tinha os olhos tortos e usava uns grandes óculos para remediar o estrabismo. Vestia sempre um bibe por odens da avó que não a deixava experimentar a vida sujando-se de terra.
A Joaquina dizia sempre "obrigada" mesmo quando era empurrada pelos outros catraios, numa sede desmedida de agradar toda a gente.
A Joaquina dizia palavras importantes como "observei atentamente" e "perdida de paixão", palavras que bebia desenfreadamente nos romances que lia escondida debaixo dos lençóis, desde que, sozinha, aprendera a ler aos 4 anos, ouvindo as explicações do primo Tobias na sala da avó.
A Joaquina não conseguia correr porque tropeçava na própria sombra, nem trepar às arvores porque tinha medo das alturas. A Joaquina ficava em casa aos Domingos de manhã quando a avó, o avô, a tia Inácia, o tio Adelino e o primo Tobias iam à missa, porque ela era "fruto de pecado e da tentação do demónio", e por isso fora proibida de entrar na casa do Senhor.
A Joaquina tinha um caderninho na algibeira do bibe, todo estripadinho, todo esfarrapadinho, e era lá que a Joaquina, a menina pequenina lá da aldeia, escarrapachava os seus medos, os seus sonhos as suas ambições. O que mais lá desenhava era a sua mãezinha, em forma de anjo transparente e sorridente, sempre velando por ela e pelos seus sonhos. A mãezinha da Joaquina morrera quando ela fizera 1 dia de vida, morta pelo puxão de uma corda que acidentalmente colocara em volta do pescoço. E todos sabiam que a mãesinha da Joaquina se matara depois de parir antes de tempo aquele ser pequenino e bastardo no pomar da lá da aldeia. Todos achavam que aquela menina pequenina e feinha morreria fora do ventre de uma mãe suicida. Mas não. A Joaquina era filha do pecado, tropeçava na própria sombra, tinha medo do escuro, e era estrábica. Mas sobreviveu. Cresceu. E amou. E foi amada.
E mais tarde quando foi a vez dela de parir um ser pequenininho, inofencivo e chorão, lembrou-se da mãe e do seu salto para o vazio, deu a mão ao pai da filha, e num esforço estridente, num grunhido banhado de suor e sangue, expeliu cá para fora em forma de choro de bebé uma estalada à vida e a todas as rasteiras que esta lhe tentara pregar.

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