quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Querida Júlia...

Lembro-me de ti minúscula... Loirinha, de xuxa ao lado, sempre na tua, sempre muito séria! Lembro-me do teu pavor de formigas, da tua vozinha esganiçada a falar axim... Lembro que mesmo sendo eu mais velha, tinha um medo de ti que me pelava!
Sempre foste uma criança especial! Bonita tas e qual bebé de revista, sempre parecendo independente, desgrudada do mundo da tua idade. O que ninguem sabia é que à noite chamavas a mãe 27 vezes porque querias a xuxa, o ó-ó, o vitinho, os pingos do nariz, a cama impecavelmente reentalada sempre que te viravas.
Lembro-me que fugias sempre que aparecia algume de novo, e lembro-me também quando recebeste o teu prineiro pianinho, que não tinha mais 8 teclas e ainda assim, com os teus 4 anos, conseguiste tocar todas as musicas do pai: Bealtles, Elton John, Rolling Stones...
Dizias palavrões como nenhuma outra criança da tua idade, e quando te rias... quando te rias eras a criança mais bonita do mundo!
Foste crescendo... A tua beleza diferente tinha o toque final nos teus olhos selvagens, que até um leão do zoo conseguiste inquietar. Nas horrorosas sessões fotograficas do pai eras sempre a que ficava mais bonita, porque tinhas a cara de um anjo amuado, misterioso.
Querida Júlia, tens em ti todas as grandes qualidades geniais do ser humano! A música, o dom da escrita, a pintura... És diferente, sempre foste! Nunca passaste despercebida, mesmo na fase que fugias envergonhada do mundo.
Lembro-me do teu primeiro dia de aulas num colégio de música. Não tinhas farda comprada e foste gozada por todos os miúdos. Choraste que nem uma madalena arrependida, apavorada com aquele novo mundo de criancinhas mimadas e cruéis. Os pais não cederam e de coração apertadinho levaram-te de novo no dia seguinte à carrinha do colégio, onde te viram pequenina, indefesa, assustada a partir para mais um dia. Lembro-me que a mãe chorou quando chegou a casa e lembro-me também que a odiaste por te abandonar naquele mundo novo.
Querida Júlia... Não sei como te mostrar o quanto te amo, o espaço gigantesco que ocupas no meu coração! Porque agora grito por ti lá para o fundo do poço, estendo-te a mão, esperneio histérica à procura da tua reação... Mas não me vês. Consigo ver no teu olhar o mesmo de quando criança, desafiadora mas apavorada, num grito silencioso que ninguém consegue ouvir.
Quero ajudar-te querida Júlia mas não me vês... caminhas devagar para um mundo que não conheço, que não alcanço, que me assusta. E a única coisa que posso fazer é sentar-me e ter a esperança que um dia olhes para trás e vejas que estou aqui...

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